O ingrato tortura-se e aflige-se a si mesmo; odeia os benefícios que recebe por ter de retribuí-los, procura reduzir a sua importância e, pelo contrário, agigantar enormemente as ofensas que lhe foram causadas.
Há alguém mais miserável do que um homem que se esquece dos benefícios para só se lembrar das ofensas?
A sabedoria, pelo contrário, valoriza todos os benefícios, fixa-se na sua consideração, compraz-se em recordá-los continuamente.
Os maus só têm um momento de prazer, e mesmo esse breve: o instante em que recebem o benefício; o sábio, pelo seu lado, extrai do benefício recebido uma satisfação grande e perene.
O que lhe dá prazer não é o momento de receber, mas sim o fato de ter recebido o benefício; isto é para ele algo de imortal, de permanente.
O sábio não tem senão desprezo por aquilo que o lesou; tudo isso ele esquece, não por incúria, mas voluntariamente.
Não interpreta tudo pelo pior, não procura descobrir o culpado do que lhe sucedeu, preferindo atribuir os erros dos homens à fortuna.
Não atribui más intenções às palavras ou aos olhares dos outros, antes procura dar do que lhe fazem uma interpretação benevolente.
Prefere lembrar-se do bem que lhe fizeram, e não do mal; tanto quanto pode, guarda na memória os benefícios precedentes e não muda de disposição para com aqueles a quem deve algum favor a não ser que as suas más ações sejam de longe mais graves, numa desproporção evidente mesmo a quem não a quer ver; e até neste caso o sábio terá por eles, depois de uma considerável ofensa, sentimentos idênticos aos que tinha antes do favor recebido.
Na realidade, mesmo quando a ofensa é equivalente ao benefício, permanece na nossa alma um certo sentido de benevolência.
Sêneca, in 'Cartas a Lucílio'
Saudações
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