O tempo transita em nosso pensamento na relação imaginária que estabelecemos com o mundo, convocando-nos a diversas questões e direcionando-nos na busca de um espaço de referência, seja no passado, no presente ou no futuro. Estamos bordeados por ideias quanto aos tempos da vida: tempo de crescer, tempo de brincar, tempo de trabalhar, tempo de casar, tempo de viajar, tempo de ser feliz, tempo do Natal, tempo de festa, tempo que passa rápido, lento, tempo, tempo, tempo...
Em contraposição a esta delimitação do tempo, há momentos que podemos nos deparar com uma perplexidade ao notar que muitas vezes atuamos, ou sentimos, como se não houvesse o passar do tempo. Quem já não se pegou tentando achar uma explicação para uma percepção aparentemente desconectada diante de um tempo transcorrido tal como: “Nossa, parece que foi ontem, e me sinto como se o tempo não tivesse passado”.
Ao procurarmos o significado da palavra tempo no dicionário, encontramos uma variedade imensa de significados e de sentidos figurados para usá-lo quando queremos falar não apenas da cronologia: “um lapso de tempo futuro ou passado”, mas também da meteorologia: “o tempo de chuva”, da astronomia: “o que decorre entre duas passagens consecutivas da Terra pelo mesmo ponto de sua órbita”, da gramática: “qual tempo verbal”, do direito: “o tempo de serviço”, da informática: “tempo de utilidade de um dispositivo”, da música: “1, 2, 3...”, dos esportes: “Cada um dos dois períodos em que se divide a partida de futebol”, da mecânica: “Quantidade de movimento de um corpo ou sistema de corpos”, e por ai podemos seguir adiante buscando mais e mais significados possíveis para esta palavra “tempo”.
Mas de qual tempo estamos falando em psicanálise?
Logo nas primeiras entrevistas com um psicanalista, são levantadas questões bem pontuais quanto ao tempo de tratamento ou ao tempo das sessões. No decorrer dos encontros, o analisando passa a trazer questões mais abrangentes. Fala dos variados tempos de sua vida, de seu tempo de criança, da adolescência, do tempo de escola ou da faculdade, do tempo que passa no trabalho, de suas dúvidas e preocupações com relação ao tempo que escorrega pelas mãos.
São falas que suplicam respostas capazes de delimitar, aprisionar, fixar o tempo em um ideal que seja capaz de aliviar suas angústias perante o desconhecimento que o transcurso do tempo causa. Diante destes ditos, o psicanalista direciona a sua escuta para o tempo do inconsciente, e, que tempo é este?
Freud, em suas proposições sobre o inconsciente, atribuiu algumas características a este, dentre elas, a atemporalidade. Para ele o tempo cronológico não existe na psique humana, apenas no biológico, sendo que neste estaríamos transitando em outros campos, como o da medicina, da biologia e até o da psicologia. Para a psicanálise, nossos afetos não estão regidos de acordo com o tempo do relógio ou do passar dos dias, mas sim de acordo com o aqui e agora de cada sujeito. Esta proposição contrapõe-se à idéia errônea que transita no senso comum de que a psicanálise trata de fatos passados, ou de profundezas, como se fossem coisas de um lugar distante, que o tempo tivesse levado embora, apagado ou enterrado.
Lacan, em sua releitura freudiana, nos ensina que o tempo do inconsciente se constitui a cada sujeito. É o tempo lógico presente no instante de ver, no tempo de compreender e no momento de concluir, não tendo nada a ver com o tempo da cronologia. Como para ele não importava o tempo do relógio, suas sessões duravam o tempo suficiente para cada sujeito a cada sessão, inclusive, tendo sido este um dos motivos que o levou a ser expulso da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), pois não concordava em seguir um tempo pré-estabelecido para as sessões.
Assim, a partir da atemporalidade do inconsciente que aponta para o tempo lógico e não o cronológico, a escuta psicanalítica direciona-se para o tempo presentificado e constituinte da fala do sujeito. Quanto às questões iniciais, não há como delimitar tempo da sessão ou do tratamento, eis que se define a cada um.
A preocupação com a cronologia dos tempos da vida é algo a ser escutado para um além dos fatos, visto que cada sujeito se constitui de forma particular, sempre a partir de seus próprios tempos que são simultâneos tão quanto sucessivos. Tempo que assim como nos sonhos, não tem inicio meio e fim, mas sim uma convivência de ideias, pensamentos ou imagens, independente de ordem. A ordenação de fatos é algo almejado para aliar a angustia diante do caos daquilo que não se sabe, mas é escutando este algo que não se sabe, sem buscar respostas ordenadas quanto ao tempo, que a psicanálise consegue, a partir da escuta do tempo do sujeito, propor uma mudança.
Por Márcia Camargo Lacerda
Fraternos Abraços
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